Green Book é um 'road movie' sobre a segregação racial nos EUA

By Isabella Jarrusso - sexta-feira, fevereiro 15, 2019



Filme acerta na dose de humor e drama para construção da narrativa e entrega atuações memoráveis de Mahershala Ali e Viggo Mortensen

Por Isabella Jarrusso  
Contém spoliers

Baseado em fatos, Green Book - O Guia (Peter Farrelly, 2018) conta  a história de uma amizade inusitada que nasce entre o pianista sofisticado, Don Shirley (Mahershala Ali) e seu motorista/segurança Tony Vallelonga (Viggo Mortensen), um ítalo-americano super ignorante, que viajam juntos para uma turnê do músico, que é negro, e precisa enfrentar os desafios da estrada pelo sul dos EUA (região americana mais racista), pois a trama se passa durante os anos da segregação racial.

Construído como um filme de estrada, todas as situações cômicas e dramáticas acontecem durante a jornada, lembrando até a dupla feminina do clássico Thelma & Louise (Ridley Scott, 1991), que segue a mesma fórmula, mas a história consegue ser original. Os personagens tem ideais diferentes, mas que se juntam por interesses pessoais: Tony para ganhar dinheiro depois de perder o emprego, mesmo não gostando da ideia de trabalhar para um homem negro; e Don que procura um motorista e segurança para protegê-lo de problemas relacionados a lei de segregação.

Uma das questões que o filme aborda é a perspectiva de duas realidades distintas e como os personagens, que no começo tem uma relação conturbada, desenvolvem empatia pelo outro. Principalmente Tony, que logo nas primeiras cenas mostra ser muito racista e vivencia durante a viagem os preconceitos e humilhações que  Don passa diariamente, percebendo que não é algo normal. A partir disso, entende o medo do pianista em andar sozinho por lugares majoritariamente opressor.

O título do longa é uma referência ao guia de viagem que indicava para os afro-americanos os hotéis e restaurante em que seriam aceitos, uma sacada genial para um road movie e que tem o preconceito racial como temática principal.


Em uma época que a informação é duvidosa e o preconceito normalizado pela lei, podemos analisar como a população é condicionada a ter o pensamento construído entre o que é ou não normal, e só conseguem sair dessa lavagem cerebral se permitindo olhar empaticamente para o outro. E é algo que ainda ocorre, pois mesmo com todo os avanços tecnológicos, as pessoas ainda são facilmente manipuladas e continuam egocêntricas.

O destaque de Green Book é a dupla protagonista, Mahershala Ali e Viggo Mortensen, que desenvolveram uma química incrível em cena. Viggo, que engordou 20 quilos para o papel, está perfeito como um italiano brigão e nada intelectual, que solta diversas pérolas e situações constrangedoras. E por outro lado, Mahershala Ali interpreta de forma majestosa um personagem elegante e culto, que tem a dificuldade de socializar com qualquer pessoa, se denominando um homem solitário.

Os diálogos entre os dois quando estão na estrada são as mais geniais e carregadas de humor, mas também mostra Don e Tony passando por situações dramáticas, que coloca o filme na realidade do ambiente que vivem e os diversos absurdos que não acontecem só na ficção.


A transformação dos personagens durante o longa, que é causada pela convivência entre os dois, quebra as barreiras pessoais e sociais. A rigidez de Don, esconde um homem que procura aceitação e afeto, enquanto Tony com sua ignorância para vários assuntos onde há clara inocência na sua simplicidade, acaba encantando Don e também o espectador.

Com uma fotografia de cores vibrantes feita por Sean Porter, principalmente o lindo carro azul que acompanha a dupla quase como um terceiro protagonista, passa a atmosfera da época. E o que completa esse cenário é a trilha sonora realizada por Kris Bowers, que mistura a música clássica relacionada a carreira de Don e também o jazz e blues que remete aos anos 60 estadunidense.

Green Book explora sobre a discussão racial de uma forma leve sem esquecer de mostrar a crua realidade. Quebra os estereótipos tirando o negro como o empregado ou um músico que só conhece blues, como Tony reforça durante um diálogo quando fala que Don “não conhece o próprio povo”. É um filme que aborda a questão racial colocando o oprimido na mesma classe socioeconômica que o opressor, e que mesmo assim, não é tratado como um igual. Para a sociedade contemporânea é um belo tapa na cara, para quem vem tratando pautas sobre preconceito como um vitimismo ideológico.  

O filme concorre em 5 categorias do Oscar 2019, incluindo Melhor Filme, Melhor ator e Melhor ator coadjuvante.

Nota:


Muito bom!

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