‘Roma’: um retrato de memórias e conflitos sociais

By Isabella Jarrusso - terça-feira, janeiro 22, 2019


Alfonso Cuarón apresenta um filme de lembranças de sua infância usando como plano de fundo os conflitos políticos e sociais mexicanos dos anos 1970

Por Isabella Jarrusso

Contém spoilers


Um filme que carrega sensibilidade através dos personagens e seus diálogos, que em conjunto com a fotografia em preto-e-branco cria a atmosfera perfeita para a narrativa de Roma (2018). Alfonso Cuarón dirigiu, roteirizou, editou e produziu o filme que é uma semi-biografia sobre sua infância no México. O título do filme remete ao bairro Colonia Roma localizado na Cidade do México, onde Cuarón morou com a sua família, além de também ser uma referência ao grande filme do neorrealismo italiano: Roma, Cidade Aberta de Roberto Rossellini.


A história retrata a vida de Cleo (Yalitza Aparicio), empregada doméstica de uma família de classe média. Em uma declaração de amor às mulheres que o criaram, Cuarón se inspira na própria infância para traçar um retrato vívido e comovente dos conflitos domésticos e da hierarquia social durante as turbulências políticas dos anos 70.


A protagonista Cleo é a personificação de etnia, gênero e classe social. Uma mulher indígena que trabalha como empregada, um real retrato de classe econômica e social. Alfonso Cuarón dedica o filme a "Libo", que é como ele e sua família chamam Liboria Rodríguez, sua babá desde os seus 9 meses de vida, Libo que também é mulher de origem indígena é a base para a narrativa do filme.

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Yalitza Aparicio fez sua estréia no cinema em grande estilo. Sua performance como Cleo é pura, empática e forte. Além de retratar o seu trabalho cuidando da casa, acompanhamos sua vida, seus medos e desejos. É interessante pontuar isso, pois Cuarón disse que à medida que ia crescendo, se deu conta de que Libo também era uma pessoa que tinha uma vida própria, e não era alguém que só trabalhava em sua casa.

O filme começa passando a rotina de Cleo e a família, que é retratada como unida e estruturada. Acompanhamos o cotidiano da empregada cuidando de seus afazeres, como lavar as roupas, segurar o cachorro enquanto o patrão entra na garagem, escutar ordens e terminar o seu dia colocando as crianças para dormir.  


A rotina muda quando o pai pede o divórcio e abandona a família, a mãe sofre com a separação, as crianças ficam sem compreender os pais, enquanto Cleo passa por uma desilusão amorosa ao engravidar e ser ameaçada pelo pai da criança a nunca procurá-lo novamente. Nesse momento, as mulheres da casa compartilham as mesmas dores do abandono, e a partir disso, nasce uma união entre as duas personagens durante o longa.


Vemos a transformação da Sra. Sofía (Marina de Tavira), uma mulher que se sentia dependente do marido. Tavira faz um brilhante interpretação com as fases da personagem desde quando se desespera ao ver sua família desestruturada até sua transformação como mulher independente e mãe solo.

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Cuarón também fez o trabalho de cinematografia e edição (com Adam Gough), algo que enche os olhos de qualquer cinéfilo. Por se tratar de um filme de memórias a escolha pela imagem em preto-e-branco é certeira. Muitos são as cenas emblemáticas, como o lindo plano sequência da praia e a  desesperadora cena do parto de Cleo, onde a câmera fica parada em seu rosto.

As imagens dentro da casa são retratadas com bastante plano detalhe, como a cena inicial do filme onde água corre pelo piso do pátio. São imagens rotineiras e de certo refúgio para os personagens. Já quando estão fora da casa, os planos são abertos e acelerados. Nestas cenas conhecemos mais do México nos anos 70, onde vemos como plano de fundo os conflitos sociais que aconteceram durante a época.

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Retratando fatos históricos, o filme tem uma das cenas mais dramáticas que mostram o dia do massacre de Corpus Christi ou "El Halconazo", que ocorreu em 10 de junho de 1971, o incidente começou como um protesto estudantil pela libertação de presos políticos e por mais investimentos em educação, e terminou com o governo mexicano enviando soldados treinados pela CIA, de um grupo paramilitar conhecido como "Los Halcones" que resultou na morte de 120 estudantes.


Vale destacar, que segundo alguns sobreviventes, os  “Halcones” além de usarem armas de fogo, também utilizaram bastões empregados na arte marcial japonesa kendo. No filme, isso pode-se remeter ao ex-namorado de Cleo que praticava kendo, e que depois aparece assassinando um estudante, algo que pode ser uma referência aos grupos paramilitares.


Alfonso Cuarón criou uma obra completa em técnica e sentimento, ele entrega um filme que remete a sua visão e a sua vivência, sem esquecer de referenciar o passado de seu país. Cuarón criou uma história que carrega a representatividade, os conflitos internos, a resiliência e a beleza na conexão que os personagens transmitem. Roma é a mais pura arte de se fazer cinema.


Roma é o filme com mais indicações ao Oscar 2019, junto com A Favorita. Incluindo as principais categorias: Melhor Filme Estrangeiro, Melhor Filme, Melhor Diretor, Melhor Atriz, Melhor Atriz Coadjuvante! Um filme mexicano se destacando na maior premiação de cinema estadunidense. Que tapa na cara de Trump, não?


Nota:



Excelente!

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