Contém Spoilers
Uma
história de amor. É o que acontece no filme Her (2013). Como já citou
Carlos
Drummond de Andrade “... o amor
foge de todas as explicações possíveis.” e em Her, essa história de
amor foge totalmente de qualquer explicação, mas que conquista pela a simples
forma que é contada, durante todo o longa-metragem.
O
protagonista dessa trama é o melancólico escritor Theodore (Joaquin Phoenix),
que já no primeiro segundo do filme, ouvimos sua suave voz, citando versos de amor.
Mas depois nos damos conta que aquilo não se passava de mais um trabalho para
ele, já que aos poucos se descobre que ele trabalha em uma empresa, que escreve
cartas (simuladamente) escritas à mão, ou seja, ele citava essas frases
românticas para um computador e a máquina escrevia o que era dito com
eficiência. Nesse ponto, já se percebe que o filme, passará em um futuro não
tão distante, mesmo não deixando claro o ano. Pois seja quando ele está jogando
videogame ou procurando uma música, ele não toca em nenhum aparelho, tudo é
feito por comando de voz ou captação de movimentos, uma tecnologia avançada.
Theodore
é uma pessoa solitária, que ainda sofre com o fim de seu casamento. Muitos são
os flashbacks de sua ex-mulher, ainda em tempos de alegria. Mas tudo muda na
vida desse romântico infeliz, quando resolve comprar um novo sistema
operacional para o seu computador. Ele
configurando o aparelho, escolheu por uma voz feminina e naquele momento, ele
conheceu Samantha (voz de Scarlett Johansson). Samantha vira uma espécie de
secretaria e amiga. Ela o avisa de todos os seus compromissos, arruma os
e-mails e arquivos do computador e ao mesmo tempo está aberta para ouvir os
desabafos e conversar com ele. Em meio a tudo isso, acaba nascendo um
sentimento forte entre Theodore e Samantha.
Algo que
parece o absurdo dos absurdos, que pode soltar questionamentos dos telespectadores,
como: “Mas como uma máquina sente algum tipo de sentimento?”, pois respondo que
essa é a magia do cinema: tudo é possível. Her
não é só uma história de um homem que se apaixona por um computador, mas como
no próprio pôster do filme diz “Uma história de amor de Spike Jonze”.
O
diretor que tem uma fama de fazer filmes simples, sensíveis com um roteiro
inteligente e com uma grande singularidade (o filme rendeu dois prêmios de
melhor roteiro original no Globo de Ouro e no Oscar), já é esperado se apaixonar
por essa obra do cinema contemporâneo. Só voltarmos um pouco nos projetos
anteriores de Spinke Jonze.
O seu pouco
conhecido curta-metragem I’m Here (2010), percebe-se a
vontade do diretor de fazer um filme em que o foco fosse um amor que envolve uma
máquina. Já que no curta, a história se passa em um futuro, onde humanos e
robôs vivem juntos, quase como iguais (durante o curta existe certo preconceito
por parte dos humanos, claro). O foco é um tímido robô, que acaba conhecendo
uma descolada robô e assim, nasce um amor quase espontâneo entre os dois, que
começam a namorar e enfrentar muitos sacrifícios para continuarem juntos. Mas
sendo breve, com esse pequeno projeto, três anos antes de realizar Her, penso que Jonze sempre teve essa
vontade de criar algo nesse estilo e que ele realmente tem esse poder, de
juntar coisas quase impossíveis de se imaginar e fazer com quem assiste se
envolver de uma maneira sem igual e é o que acontece com Her.
Sabemos que ele se apaixonou por um
computador, que em um primeiro momento, o achamos um cara com problemas emocionais,
mas depois que passam cenas tão bonitas, com diálogos de Theodore para ela “Amo a maneira que você vê o mundo”
ou Samantha para ele “Consegue me
sentir com você nesse momento?”, com aquela trilha sonora tocante durante o
filme inteiro, composta pela banda Arcade Fire e a coloração em tons pasteis,
que dão um ar de romance dos anos 20, faz tudo algo tão puro entre os dois, que
é quase impossível não querer um final feliz para eles.
Duas
cenas seguidas que me “puxaram” para dentro da tela, foi o momento que Theodore
pergunta “Quer ir a uma aventura comigo?” ela responde rindo “Eu adoraria” e assim
corta a cena para um metrô e vemos Samantha no bolso da camisa, de um Theodore
muito alegre brincando de correr e desviar das pessoas na estação de metrô, o
mais impressionante é que em um momento eu também desviei inconscientemente dessas
pessoas, já que a câmera mostra a visão de Samantha. E assim eles chegam ao
destino da aventura, que ir à... praia!
E acredito que para um homem como Theodore,
com todo aquele estilo, de usar camisas por dentro da calça (quase todas as
camisas que usa no filme estão em tons rosa e laranja), o marcante óculos
arredondado e seu bigode, o faz uma figura meio deslocada da sua área de
conforto, por claramente não ser o tipo de pessoa que visita a praia e que
isso acaba sendo para ele, uma aventura, pois sai de seu cotidiano (o que o
amor não faz, não é mesmo?)
A cena
continua com ele andando, com Samantha ainda em no seu bolso da camisa, os dois
conversam. sobre como seria se apagássemos de nossa mente como é o corpo humano e depois víssemos uma pessoa e como a acharíamos estranha. Nesse momento a
câmera dá closes de parte dos corpos das pessoas da praia e isso passa
surpreendentemente uma sensação de estranheza, como se tivesse esquecido como é
uma fisionomia humana...
Theodore agora deitado na areia, ouvindo uma música que ela está
compondo, sobre como seria se ela estivesse fisicamente com ele ali naquela
praia. Assim somos levados para um momento visual, sem diálogos, apenas a
música e a visão de paisagens naturais. E então ouvimos dele uma respiração
funda e sua voz com um tom grave e gentil “Acho que você captou”, fim de uma cena puramente simples e a
melhor, ao meu olhar.
Samantha é naturalmente apaixonante, do momento em que começa a falar com sua voz rouca
e de querer aprender mais sobre tudo. Esse ‘querer’ dela vai tomando uma
proporção maior durante o longa-metragem, até chegar o momento em que ela quer “existir”,
ou seja, ser uma humana, ou algo perto disso. Ela quer ter um corpo, um rosto,
para poder tocar e beijar seu querido namorado. Assim começa o drama do casal,
que precisam lidar com a realidade...
Essa realidade do filme, penso que pode se tornar a nossa realidade. Há quem diga “Eu não vivo sem meu celular” “Sem meu computador não sei o que fazer” são quase declarações de amor aos seus aparelhos eletrônicos.
E se em um futuro não tão distante, pessoas já tão afastadas do mundo real, terem um aparelho com uma inteligência desse nível de Samantha e começar a se relacionar amorosamente? Não acho impossível, que mais uma nova forma de amor venha a existir. Acho que o pensamento da personagem Amy (Amy Adams), a única amiga de Theodore, quando descobre da sua relação incomum, apenas diz “Apaixonar-se é uma coisa louca. É uma espécie de loucura social... permitida”. E não é uma verdade? Até por que o homem sempre foi um ser apaixonado, agora o homem contemporâneo é um ser apaixonado por tecnologia.
Filme: Her (“Ela” em titulo brasileiro)
Diretor: Spike Jonze
Roteiro: Spike Jonze
Duração: 126 min
Ano: 2013
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