Quem nasce em Bacurau é gente: filme retrata a resistência nordestina contra o mundo

By Isabella Jarrusso - sábado, janeiro 04, 2020


Trama brasileiro aborda sobre vingança politizada e histórica contra o colonizador e também abre debate sobre gênero e sociedade

“E aí, já assistiu Bacurau?” essa frase que popularizou desde o lançamento do longa-metragem de Kleber Mendonça e Juliano Dornelles, mostra o efeito que o filme vem transmitindo entre as pessoas, e não é para menos, pois Bacurau (2019) constrói diversas camadas do Brasil com uma narrativa singular, passando por diversos gêneros do cinema. É um filme visionário e abertamente violento bem ao estilo gore com uma pitada de ficção científica, entregando uma obra que discute a política e o preconceito enraizado no Brasil.

A trama se passa em uma cidadezinha fictícia chamada Bacurau, localizada no sertão brasileiro. Os moradores começam a testemunhar alguns acontecimentos estranhos, como quando descobrem que a comunidade não consta em mapas digitais ou avistam drones sobrevoando pela cidade, que mais parecem naves espaciais, propositalmente. Além disso, estrangeiros chegam à cidade pela primeira vez, e mortes dos cidadãos começam a aparecer, Teresa (Bárbara Colen), Domingas (Sônia Braga), Acácio (Thomas Aquino), Plínio (Wilson Rabelo) Lunga (Silvero Pereira) e os outros moradores chegam à conclusão de que estão sendo atacados. E daí vai se desenvolvendo o suspense para descobrir quem quer exterminar a cidade.

O filme cria um paralelo sobre nosso passado e o que esperar do futuro do país, principalmente, nas regiões do norte e nordeste que sofrem exploração, preconceito e violência. A resposta de Bacurau é a não submissão, com a união do próprio povoado para se defender contra esses inimigos, que querem transformar a cidade numa zona de caça para turistas, mediada pela política local (o prefeito) e nacional (os paulistas).


Personagem de Sônia Braga, a médica Domingas, representa o que é a figura daquele que cuida com afeto e sem julgamento, mas que não tem papas na língua. Sônia brilha no papel como um símbolo feminista, mostra a força e liderança de uma mulher que protege desde as crianças até as prostitutas.

Outro destaque é Silvero Pereira, como Lunga, um cangaceiro queer, que usa cabelos longos, unhas pintadas, roupas e acessórios andrógenos. O personagem que quebra a imagem do herói tradicional, é a grande protetora de Bacurau, e usa a violência para salvar seu povo, uma resposta lúcida, brutal e sangrenta, pagando com mesma moeda que seus inimigos.


Bacurau é a cidade que deu certo, pois a comunidade não se incomoda com absolutamente nada, seja com a sexualidade e gênero das pessoas, se a médica vive com uma mulher, ou se a travesti é casada. Bacurau é um aprendizado para todos, mostra que o poder está com o povo, quando retrata a revolta contra o prefeito que só aparece em tempo de eleição e se defendem quando ameaçam sua existência. Um filme visionário, que mesmo sendo produzido antes do governo Bolsonaro, se transformou em um ato político contra o discurso de ódio, censura e mortes criminosas.

Em uma das cenas, a turista pergunta: “Quem nasce em Bacurau é o que?” e uma criança responde “É gente”, essa frase reflete muito mais do que algo cômico, é uma resposta que Bacurau somos todos nós e o nosso futuro.

Nota:


Excelente!


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