A música brasileira do soprano ao contralto
By Isabella Jarrusso - quinta-feira, outubro 06, 2016
Por Carolina Farias e
Isabella Jarrusso
A música brasileira tem um enorme histórico musical de
artistas consagrados, que produziram marcos para a construção de nossa
sonoridade, como a bossa nova, samba e o movimento tropicalista. No meio dessa
grande revolução na música, as mulheres participaram com bravura contra uma
sociedade conservadora e que as impediam de ter a liberdade igualitária aos
homens.
A representatividade da mulher no cenário musical brasileiro
tem uma grande importância para hoje existam criações e referências
emblemáticas. A repressão da mulher neste meio sempre foi um desafio, pois a
presença da mulher na música popular, até meados do século XX, se limitava à
função de intérprete. Os compositores nunca prescindiram do vocal feminino, mas
também nunca abriram espaço para trabalhos autorais das cantoras. E nesse
assunto, deve ser citada a primeira compositora popular do Brasil, a carioca
Chiquinha Gonzaga, uma mulher de atitudes inigualável, que criou a famosa
marcha carnavalesca “Ó Abre Alas” e foi defensora da causa abolicionista e
republicana no país. Chiquinha foi o
abre alas as mulheres que estavam chegando para ocupar seu lugar na música
brasileira.
A década de 1960 viveu-se muitas transformações e luta na
música e na politica. Nos grandes festivais começaram a surgir mais mulheres no
cenário da musica, como Maria Bethânia, Gal Costa e Joyce. A icônica Elis
Regina foi a primeira grande artista a surgir desses festivais de música na década
60, desviava-se da estética Bossa Nova por sua extensão vocal e dramaticidade
no palco. Seu estilo era influenciado pelos cantores de rádio, especialmente
Ângela Maria, uma troca de referência de mulheres para mulheres.
Já no meio ao movimento tropicalista, surge Os Mutantes,
onde na banda uma mulher tinha o comando da voz, a Rita Lee, dona de uma
irreverência à sociedade machista, ainda mais quando foi expulsa da banda e se
lançou como artista solo. Rita Lee tinha suas referências em mulheres que
desafiaram a sociedade, tais como Luz Del Fuego, Dercy Gonçalves, Elvira Pagã e
Pagu. O seu álbum “Fruto Proibido” (1975) tem canções com temáticas feministas,
como “Luz Del Fuego” e o seu grande sucesso “Ovelha Negra”. Ela é uma artista
que sempre mostrou em suas musicas a mulher real, e abordou sobre coisas que
são vistas como tabu, como a menstruação ou menopausa.
Cada vez mais, as mulheres foram dominando a música
brasileira, a década de 1990 foi mais um momento que mulheres deram a sua
própria voz e criação, como Marisa Monte, Adriana Calcanhoto, Fernanda Abreu,
Vanessa da Mata e ícones como Cássia Eller e Zélia Duncan, todas foram abrindo
caminho às demais, que hoje vem ganhando espaço em outros gêneros da música e
se expandindo na indústria musical. São novos tempos, onde aquela construção de
sonoridade brasileira novamente está mudando. As cantoras contemporâneas ainda
carregam as influências de grandes nomes da música, fazendo uma mistura de
referências e criando seus estilos.
A baiana Karina Buhr é um exemplo dessa geração de
mulheres empoderadas, ela seria uma Rita Lee da nova era, com o seu estilo
extravagante nas roupas e maquiagem, a voz potente e afiada em suas músicas que
clamam pela liberdade feminina. A cada ano, ela mostra mais o poder que a
mulher pode ter perto de um microfone, seu ultimo álbum “Selvática” (2016) já
na capa a cantora mostra os seus seios, como forma de protesto.
Céu é uma cantora que não tem um estilo específico de
música. Ela atravessa vários gêneros, do samba para o soul. Ela carrega muitas
influências musicais e por conta disso tem conquistado o público internacional,
o que lembra a história de Marisa Monte.
Já com um lado mais doce, há a prodígio Mallu Magalhães,
que surgiu graças à internet com apenas 16 anos e hoje é uma das maiores
cantoras brasileiras. Suas canções têm arranjos simples, que lembra as mulheres
da bossa nova. Suas letras são poéticas como “Velha e Louca” que mostra como a mulher
pode ser do jeito que ela quiser ser. Mallu é um bom exemplo para mostrar como
a internet hoje é o maior meio de encontrar cantoras com um talento libertário
e fazerem sucesso por conta própria.
Nos últimos cinco anos vemos um crescimento enorme de
artistas que sempre tiveram um público específico e fiel nas periferias: os
rappers. Mas quem realmente recebe notoriedade na grande mídia são as mulheres.
Vindo do rap ou do funk, ritmos tradicionalmente alvos de preconceito, com
frequentes letras que inferiorizam e objetificam o corpo feminino, as meninas
conseguiram mudar o jogo.

Karol Conka é a nova queridinha da moda. Todos estão
atrás dela, campanhas publicitárias para todos os lados, todos os festivais ela
está no line up e suas músicas tocam em todas as festas. Desde “Tombei”, Conka
ganhou tanto destaque que foi chamada para tocar na abertura dos Jogos
Olímpicos no Rio de Janeiro, sendo vista pelo mundo todo. Quem diria que a
curitibana que começou a cantar num concurso da escola chegaria tão longe com
uma música que nunca recebeu tanto destaque na voz feminina? A cantora que
levou título de revelação do ano em 2013 no Prêmio Multishow vem sendo a cada
lançamento uma novidade.
Podemos considerar a Mc Carol como um símbolo de tudo que
não faz sucesso fácil no país. Negra, gorda, pobre e funkeira, a niteroiense
vem recebendo notoriedade pelo seu trabalho pelas críticas intensas ao governo,
à polícia e seus posicionamentos feministas. É fato que sua ascensão decorreu
de chacotas, pois a sua música mais famosa é “Meu Namorado É Um Otário”, que
diz que com ela são os homens quem limpam toda a casa enquanto ela não faz
nada. Ao descobrir essa música, perfis no Facebook começaram a fazer
comentários machistas e gordofóbicos para a cantora, que (para o bem ou para o
mal) a fez se tornar conhecida. Hoje Mc Carol é garota propaganda da Avon
(junto com Karol Conka), demonstrando uma mudança enorme na maneira como as
marcas definem a beleza, mostrando também que o rap e o funk são admiráveis.
Mc Carol abre um debate histórico quando canta “Não Foi
Cabral”, defendendo que o descobrimento do Brasil é um conceito falho ensinado
nas escolas, já que os índios já viviam aqui quando os portugueses chegaram.
Essa música virou tema de discussões escolares e acadêmicas. A importância de
uma funkeira trazer contestação histórica para suas músicas é enorme, já que o
funk é recebido diretamente pela periferia, que sofre com a educação
pública.

Ainda pegando a onda do funk, Anitta surgiu em 2013 com o
hit “Show das Poderosas”, que era a música mais tocada em bailes de formatura à
festas de rua nas favelas. A cantora cresceu com suas músicas virais sempre
características do ritmo até se enveredar pelo pop, que é seu estilo oficial
atualmente. Tendo como suas maiores influências Mariah Carey e Beyoncé, a
cantora já foi comparada às divas do pop de todas as maneiras possíveis,
inclusive quando seu número de seguidores no Instagram superou o da Britney
Spears.
Dona de milhares de fãs e das melhores coreografias
sincronizadas nas baladas LGBT, Anitta chegou a se apresentar na abertura das
Olimpíadas Rio-2016 ao lado de Caetano Veloso e Gilberto Gil, o que lhe rendeu
muitas críticas de diversos lados. Desde os fãs dos veteranos e consagrados Gil
e Caetano aos próprios, que demonstraram nas redes sociais falta de sincronia
entre os artistas, Anitta disse em entrevista à Globo que foi uma das maiores
experiências de sua vida, pois (querendo ou não) os cantores lhe influenciaram
muito.
O que devemos levar em consideração nesse contexto é que
todas as músicas citadas acima, todas as artistas e compositoras são
brasileiras. Todas, mesmo com suas diferenças regionais e sociais, têm as
mesmas influências básicas. Portanto, é importante entender o que cada lugar do
Brasil tem a dizer a nós, que essas mulheres trazem em suas notas. E ainda
notar que o grito de liberdade das mulheres está cada vez mais alto.
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